No Brasil comemoramos, em 25 de julho, o Dia da Mulher Negra e de Tereza de Benguela – uma liderança do Quilombo Quariterê, que viveu no século XVIII, na região do atual Mato Grosso. Também hoje se comemora o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, 31 anos depois de um primeiro encontro histórico em Santo Domingo, na República Dominicana, onde foram discutidos problemas enfrentados pelas mulheres negras e alternativas para resolvê-los. 

Segundo dados do IBGE de 2019, mulheres negras são mais de 28% da população, configurando o maior grupo populacional brasileiro. Dentre os índices de desenvolvimento humano, mulheres negras são as que mais morrem por crime de feminicídio e o grupo populacional com os menores salários. 

As desigualdades que ferem nossa dignidade são muitas. Mas minha escolha para falar de nós é sobre o que nós temos feito com o que fizeram de nós. A realidade é dolorosa, como nos lembra Vilma Piedade quando escreve sobre a Dororidade, um conceito que contesta a suposta sororidade proposta pelo feminismo branco (a noção de irmandade entre mulheres), que não alcança a experiência de mulheres negras. Dororidade é a conexão entre mulheres negras a partir do lugar da dor. Dor esta causada pelas experiências do sequestro, escravização e exploração que vivemos no passado e que ainda conhecemos no presente. 

Apesar da dor, aprendemos a nos reinventar e reinventar o mundo ao nosso redor. As muitas lutas que nos forjaram sobreviventes do mais terrível e triste crime da história da humanidade –  a escravização europeia contra o continente africano –, também nos ensinaram que o contrário da vida não é a morte, mas o esquecimento e o desencanto. São as mulheres negras as responsáveis por transmitir as memórias e manter vivo encantamento deste povo, tendo o sonho como dimensão fértil onde gestamos os sonhos de futuros possíveis.

Nossos instrumentos têm sido, principalmente, o que as mestras Leda Maria Martins e Conceição Evaristo chamaram, respectivamente, de oralituras e escrevivências. As oralituras podem ser os significados que criamos na nossa cultura, através da palavra escrita e também de vocábulos ou significados ancestrais experimentados no corpo, em manifestações tradicionais como as Congadas. Já as escrevivências podem ser os atos de escrita literária protagonizados por mulheres negras e marcados por suas experiências sociais.

Seja na poesia erótica de Miriam Alves, no balé afro de Mercedes Baptista, nos discursos políticos de Marielle Franco, nos diários de Carolina Maria de Jesus, no batuque do samba, herança de Tia Ciata, nas cantigas de candomblé de Makota Valdina, na literatura canônica de Ana Maria Gonçalves, na História de Ynaê Lopes, nós, esse sujeito coletivo chamado mulheres negras, temos provado que sabemos parir novos e bonitos amanhãs.

 

Malês
Bantus
Jejes
Nagôs
Vestes coloridas resguardam esperanças
Aguardam a luta
Arma-se a grande derrubada branca
A luta é tramada na língua dos Orixás
é aminhã, Luiza Mahin, falô”

Poema “Mahin amanhã”, de Miriam Alves, em “Poemas Reunidos”.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.